Acordei
antes do celular despertar, ansioso pra variar, abri os olhos e a
primeira ação foi agradecer em pensamento por mais um ano de vida,
por ter a minha família, pelos meus amigos, por ter saúde ou por
não ter nada letal diagnosticado até agora. Vinte e quatro anos de
vida, o número do viado, envelheci tão rápido e nem percebi, estou
cansado de tantas coisas e mesmo assim cheio de expectativas pra esse
“novo ciclo”. Tudo isso passando pela minha cabeça enquanto
estou deitado na minha cama, que não suporta o meu sobrepeso e que
está com a madeira mofada da água da chuva que entrou pela janela
semana passada.
Como é o
meu aniversário resolvi mofar na cama junto com a madeira, ou seja
um atraso bem lindo tá programado, e aí começa a dúvida da roupa
para vestir no dia que eu sou o centro das atenções e a conclusão
é que estou sem uma peça decente, que essa barriga das cervejas
incontáveis já bebidas só serviram pra aliviar a minha sede
momentânea. Lembrei de uma tradição do meu aniversário, todo
começo de ano faço uma lista de convidados da minha festa
bombástica em algum salão bem decorado, todos os bons amigos
presentes, os parentes distantes que nunca gostaram de mim e que
foram convidados por educação, as amigas da minha avó que adoram
um bailinho, bebida liberada, aquele DJ amigo e claro que a banda de
swing com aquelas letras loucas de velhas que a minha mãe curtia e
hoje quando tocam as tias enlouquecem só no balançar dos ombros,
mas claro que isso é formulado em janeiro e no decorrer dos meses a
lista vai diminuindo, a bebida fica por adesão e o salão é trocado
por algum pub local. Voltei pro dilema da roupa e resolvi investir em
uma camisa social roxa e aquela jeans velha batida mas que ainda tá
bem escura e bem justa. Ouço dois estalos e depois sou uma mescla de
poeira, roupa de cama revirada e a coluna berrando com os destroços
da cama mofada e agora quebrada.
Minha
septuagenária mãe aparece na porta do meu quarto assustada e cai na
gargalhada com a cena, levanto espraguejando e ela continua rindo
tanto que acaba virando uma crise de tosse. Parei para me recompor e
esperar os devidos cumprimentos, em vão, pois a matriarca deu uma
rabanada e foi ao banheiro cumprir seus rituais matutinos de higiene
e eu fiquei parado no vácuo, dolorido e furioso esperando um beijo.
Mesmo irado com a situação a velhinha sabe como me desarmar, recebo
o melhor presente do dia; um abraço apertado, um beijo e palavras de
amor baixinhas no ouvido, feito um segredo só meu e dela.
O celular
começa a vibrar sem parar, sinal que os amigos começaram a enviar
as felicitações e isso serve de remédio para amenizar as dores nas
costas, massagear meu ego e fazer com que eu crie vergonha na cara,
arrume a bagunça da cama e vá tomar um merecido banho de meia hora.
Não posso transformar bucho em filézinho com um banho, barba feita,
roupa bem passada e um bom perfume, mas digamos que fica tipo bife de
segunda bem batido. Hoje dispenso a bolsa jumbo com três quilos de
bugigangas necessárias (agenda, necessaire, roupa da academia,
máquina fotográfica, marmita, estojo, etc.) e optei só por
celular, carteira e oclão. Beijo na septuagenária, passo a mão nas
chaves e saio pra enfrentar mais um dia de trabalho.
2 comentários:
Mas tu escreve bem, homem! Tô indo ler de novo pra curtir mais uma vez.
Muito bom, Well.Imaginei toda a cena como um filme.
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